A linguagem da conexão
- Luísa Kanaan
- 30 de mar. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de abr. de 2020
Quem utiliza as redes sociais como plataforma de negócios já está cansado de saber que é preciso se conectar com seu público, criar identificação, estreitar o relacionamento empresa-cliente e produzir conteúdo relevante. Para todo o lado existem profissionais do marketing dando dicas de como atingir essas metas, mas poucos falam de um assunto essencial para criar conexão: a linguagem.
Você pode até ter ouvido falar em usar os termos mais usados pelo seu público, mas a linguagem para criar conexão vai muito além disso. É preciso que as pessoas se sintam representadas e respeitadas nas palavras que você escreve. Se você quer que seus textos atinjam mais pessoas, o uso da linguagem inclusiva é imprescindível.
Mas o que é linguagem inclusiva? Como se faz isso? Nesta série de artigos você vai saber o que precisa fazer para criar identificação inclusiva em textos, reportagens, peças publicitárias e até no seu ambiente de trabalho.
Primeiro, é preciso lembrar que linguagem inclusiva é focada em pessoas (animais e objetos, apesar de importantes, não são o foco) e que a língua em si não é neutra nem natural - é um instrumento de poder. Ela é um produto do complexo de crenças, valores, pensamentos e atitudes da sociedade que a cria e utiliza.
Nas línguas românicas em geral, há a pretensão de que o ponto de vista masculino represente o geral, ou seja, todas as pessoas, mulheres e homens. Ficando o feminino subentendido. Nos exemplos a seguir, “os heróis morrem jovens” e “os brasileiros se destacaram na olimpíada de matemática”, você consegue imaginar se está se referindo a um grupo misto de homens e mulheres ou apenas homens? E nas seguintes frases, “você denegriu minha imagem” e “aquela pessoa judiou a outra”, consegue perceber que a questão racial e étnica está sendo usada como desqualificadora de um sujeito?
A linguagem inclusiva busca gerar entendimento e conexão. Será muito mais respeitoso e acolhedor se você mostrar para esses públicos que também são alvo da sua fala. As mudanças são simples, requerem apenas prática e a adoção de estratégias de (re)construção do pensamento – que vai além do artigo definido e passa pelo reconhecimento da importância dos processos de identidade dos vários grupos sociais e sua participação na escrita da história.
A seguir, algumas dicas de como desinvizibilizar quem ficou escondido por causa da falsa ideia de universalidade contida no gênero masculino e de como não utilizar raças e etnias como desqualificadores.
1) Adeus estereótipos de gênero
Esqueça aquelas frases carregadas de estereótipos prejudiciais como “mulher não envelhece, fica loira” ou caracterizações de mulheres como mais sensíveis e fracas ao passo que homens são sempre fortes e não choram. A linguagem inclusiva trata as mulheres e homens de forma igual, sem perpetuar as percepções estereotipadas dos papéis de cada pessoa em função do gênero.
2) Não use X, e, @ ou –
Em uma tentativa de tornar o discurso mais neutro, foram utilizadas essas grafias (todes, tod@s, todxs, por exemplo), porém elas dificultam a leitura, principalmente de pessoas com deficiência ou dislexia. Além disso, usar o masculino como neutro ainda é um hábito, logo essas grafias assumem o masculino durante a leitura. Por isso, é melhor não utilizar.
3) Retire o artigo definido
Essa é uma dica bem simples mas que faz bastante diferença, pois muitas vezes usamos os artigos definidos (o, a) e possessivos (nosso, nossa) sem necessidade, denotando a especificação de um gênero. Sempre que possível opte por artigos indefinidos.
Por exemplo:
Hoje vi a Patrícia muitas vezes / Hoje vi Patrícia várias vezes
Os colegas trabalharam duro no layout / Colegas trabalharam duro no layout
A medalha de ouro é dos esportistas / A medalha de ouro é de esportistas
4) Coloque feminino e masculino
A especificação do gênero é interessante pois salienta a existência de ambos os gêneros de forma simétrica e paralela como em “pai e mãe” ao invés de “pais”, “professor e professora” ao invés de “professores”.
Isso também se aplica a marido/mulher, que pode ser substituído por parceiro/parceira ou cônjuges.
Aqui a dica é, sempre que possível, colocar o feminino por primeiro – já que estamos condicionados a fazer o contrário.
5) Uso de coletivos
Como temos tendência a colocar o masculino como padrão, usar os coletivos traz uma ideia maior de inclusão. Assim é melhor substituir “os políticos” por “classe política”, “os professores” por “corpo docente”.
Quando o objetivo é se referir a todos os seres humanos, por exemplo, o melhor é falar em “humanidade” em vez do termo “homem”.
Exemplo:
O destino dos homens é ser feliz / O destino da humanidade é ser feliz
Os alunos aprendem quando se divertem / O corpo discente aprende quando se diverte
É dever dos chefes zelar pela sua equipe / É dever da chefia zelar pela sua equipe
6) Substitua sujeitos por a pessoa que/ quem/ alguém
Essa dica é uma das mais valiosas e úteis para a maioria dos termos utilizados nos textos. Substituir “as mulheres da limpeza” por “o pessoal da limpeza” é muito mais inclusivo e carrega muito menos estereótipos de gênero (no caso, de que só mulheres fazem a limpeza).
Outro exemplos:
Os interessados devem ligar para o número / As pessoas interessadas devem ligar para o número
As secretária estão sempre ocupadas / As pessoas que trabalham na secretaria estão sempre ocupadas
Os inscritos devem procurar fulano de tal / Quem se inscrever deve procurar fulano de tal
7) Usar a forma passiva
Esse recurso também é uma forma inclusiva de considerar todos os seres humanos nas orações.
Por exemplo:
Os paulistas têm um bom nível de vida / O nível de vida em São Paulo é bom
8) Suprimir a flexão de gênero
Como em:
Vive sozinho / Vive só
No Natal, visite os seus / No Natal, visite sua família
Use elementos que podem ser substituídos / Use elementos que são substituíveis
Curiosos pararam para ver o acidente / A curiosidade fez pessoas pararem para ver o acidente
9) Raças e etnias
Há algumas expressões que utilizam uma raça ou etnia como desqualificadores, por exemplo: “denegrir” (negros, negativo), “deixar claro” (brancos, positivo) e “judiar” (judeus, negativo). Essas expressões são substituíveis por prejudicar/manchar, evidenciar, maltratar.
10) Orientação sexual
É importante ressaltar que homossexualidade não é doença, por isso não se deve usar “homossexualismo”, que possui conotação de patologia. Os termos corretos são heterossexualidade e homossexualidade.
O certo é usar a expressão “orientação sexual” e não “opção sexual”.
Ao se referir a pessoas LGBTQI+, prefira escrever pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais etc.. do que “as lésbicas, os gays, etc...”
Viu que não é assim tão difícil? O importante é escrever de forma a acolher e conectar as diferentes pluralidades.
Nos próximos artigos do blog, vamos falar sobre como ser mais inclusivo nas pautas jornalísticas e na produção de conteúdo. Espero você!
Referências




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