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Advocacia para Mulheres

Muitos de nós, recém formados – ou nem tanto, como no meu caso – percebem logo após a saída da faculdade o quão defasada é a nossa formação. Ainda que possamos ter adquirido uma razoável qualidade técnica, alguns nunca tiveram qualquer experiência prática. Aqueles que estagiaram estão um passo além dessa lacuna, mas de qualquer forma tampouco tem muita noção dos passos necessários para abrir o próprio negócio. Fato é que, na maioria das vezes, temos pouquíssima noção de gestão. E isso pode ser um obstáculo intransponível para começar a empreender, seja pela inabilidade ou o próprio medo.


Pois bem, essa era eu até meados do ano passado, quando o Mestrado em Direito me trouxe questionamentos imensos sobre minha vida profissional e até mesmo sobre meus valores pessoais. A academia pode ser um lugar transformador em que temos acesso a conhecimentos aptos a desconstruir o castelinho de areia que vínhamos formando até então. E foi exatamente o que aconteceu comigo.


De uma forma bastante profunda pude entender como as desigualdades criadas – e às vezes resolvidas – pelo Direito não são aleatórias. Elas estão diretamente associadas a uma construção histórica e reiterada para perpetuar o poder e controle dos homens sobre os corpos e destinos das mulheres. Estudar o feminismo é libertador, é potente e transformador. Mas pode ser, ao mesmo tempo, muito frustrante: não só por que passamos a problematizar tudo, mas também porque a teoria logo encontra as limitações da aplicabilidade prática.


A quem servia o meu estudo e como eu poderia de fato impactar a realidade com todo o conhecimento que havia adquirido?


Surgiu então a ideia de aliar teoria e prática para empreender com propósito. Para além de escrever, produzir artigos e palestras sobre a opressão que recaía sobre as mulheres e todas as pessoas que destoavam do padrão social tido como “normal”, sentia necessidade de impactar diretamente o Direito, seja provocando o judiciário para as assimetrias de gênero do nosso sistema de justiça ou criando teses capazes de romper com a lógica jurídica machista. Além disso, percebi que poderia construir uma prática que, além de resolver da melhor forma o problema jurídico posto, pudesse acolher mulheres em sofrimento.


O Direito foi pensado e criado por homens e para homens, de modo que leis, doutrina e decisões são misóginas, sexistas e patriarcais. Mulheres são violentadas dentro de casa, deslegitimadas pela polícia, aterrorizadas pelo Judiciário e estigmatizadas pela sociedade. Mas não é por que as coisas sempre foram assim que devem continuar sendo, não é mesmo?


A advocacia para mulheres é muito antes uma necessidade jurídica do que propriamente um ramo do Direito. Por isso os desafios são ainda maiores, já que é preciso convencer as pessoas da necessidade de um olhar atento às questões de gênero e à escuta ativa no curso das demandas judiciais. As experiências traumáticas perante o sistema de justiça não precisam se repetir. É preciso mostrar autoridade sem perder a empatia e se posicionar dentro de um campo do saber que é, por natureza, conservador e elitista, cuja inovação na área é vista, muitas vezes, com desconfiança pelos próprios colegas.


Tudo isso sem negligenciar as habilidades que precisava desenvolver para essa empreitada: saber gerir as finanças de um escritório, controlar prazos, captar clientes, produzir conteúdo de qualidade. E, por último, mas não menos importante: praticar o autocuidado. Sempre que empreendemos com propósito é porque aquela temática mexe com algo dentro da gente. Além de uma força inabalável para seguir a despeito das dificuldades, o propósito é capaz de desencadear em nós processos de identificação que podem ser bastante doloridos: os famosos gatilhos. Afinal, enquanto mulher, sou também suscetível às dores e problemas jurídicos que as minhas clientes trazem. Foi preciso também investir em terapia para aprender a divisar os contornos de até onde posso ir enquanto profissional. Aprender a precificar, a cobrar, a contratar, a delegar, a mandar e obedecer.


Abrir um escritório é desafiador. Nos questionamos sobre o momento, a viabilidade, os desdobramentos. Dá frio na barriga, ansiedade, medinho, felicidade e expectativa, tudo junto e misturado, alternando-se em uma velocidade vertiginosa. Abrir um escritório em tempos de pandemia é duplamente desafiador, sobretudo diante das incertezas - sanitárias, econômicas, políticas- que pairam sobre nós.


Em meio ao caos, o refúgio tem sido buscar a certeza dentro de mim. A certeza de um propósito, reforçada pela necessidade de um atendimento e olhar diferenciados, acrescidos da vontade de fazer a diferença. De transformar práticas, de ocupar espaços e acolher mulheres - para além de atendê-las.


Nesse espaço-tempo de seis meses já se pode perceber que o caminho não é fácil. Insurgir-se contra o patriarcado, contra o machismo estrutural, contra as assimetrias de gênero, violência institucional, preconceito da própria classe e do judiciário é uma luta diária e constante. E ela exige confiança em si mesma e esperança de tempos melhores, sempre.


Vamos juntas?


Esse texto foi escrito pela autora convidada Isadora Forgiarini Balem.

Mestra e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com período de mobilidade acadêmica na Universidade do Porto (Portugal). É especialista em Direito de Família e Sucessões pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Integra o grupo de pesquisa de Direito e Gênero e o Núcleo de Direito Constitucional, ambos da UFSM. É também professora e advogada com experiência em Direito de Família e Sucessões, Direito Civil e Constitucional. Pisciana, gosta muito de textões e drama, um pouco de treta e nada de mal entendidos, números, gráficos e tabelas.

 
 
 

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