Uma dose necessária de bagunça para a humanização
- Liana Trindade

- 25 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Vivemos em uma sociedade de grandes organizações, onde até aqui muito tem se perdido das relações e afetos humanos.
Com a automatização e burocratização da dinâmica de prestação de serviços e comércio muito tem se perdido da valorização dos empregados e dos clientes em busca do crescimento dos números. Esse processo pode ser chamado de Institucionalização. De um modo sucinto, é quando, sem se perceber, ações acabam se tornando automáticas pela repetição e constância, resguardando também a implicação individual do trabalhador e da gestão.
Implicação aqui pode ser lida como comprometimento. É um processo inconsciente e comum de acontecer, pois é uma forma de proteção ao lidar com as problemáticas que surgem de diferentes acontecimentos, levando-se em conta a não linearidade do funcionamento organizacional e do funcionamento dos sujeitos.
Vejamos bem, não estou aqui levantando a bandeira da desordem, muito pelo contrário, trago o questionamento de onde fica a forma de tratamento humanizado que se encontra no discurso das empresas em geral. Você já parou para pensar no modo como o funcionário de determinado local é considerado pela empresa? O que o local de trabalho oferece aos colaboradores para que o trabalho possa ser desenvolvido com autenticidade, segurança e a tão desejada humanização no atendimento do serviço?
A institucionalização ocorre em vários níveis e pode influenciar no desenvolvimento dos negócios. Uma das formas dessa influência é na omissão de potenciais mudanças importantes no ambiente de trabalho, refletindo no tratamento de clientes.
Algumas empresas trazem profissionais da área da Psicologia Organizacional, e/ou Psicologia Institucional, para trabalharem com a equipe de trabalhadores. Muitas vezes, porém, há certa resistência já que a demanda da problemática em questão pode também provir da gestão do negócio.
Como modificar antigas formas de operar em um local com determinado grupo de trabalho e gestão de negócios?
Com a análise da implicação. Bom, esse trabalho é sempre muito singular de cada organização e um profissional qualificado poderá, após conhecer a demanda do negócio, ouvir seus colaboradores e empregadores e ler o local de trabalho, então trazer algumas possíveis mudanças. Assim revelando novas formas de implicação de todos que se envolvem no negócio. Essas implicações serão instituídas depois de muito trabalho e bagunça.
Antes de falarmos sobre a bagunça, acho importante pontuar a importância de um profissional qualificado. Assim como trabalhamos na clínica individual, na qual levamos em conta a subjetividade do paciente, em uma empresa também é assim. Cada local tem uma história e também um funcionamento que deve ser visto com olhar cauteloso e singular, levando em conta todos os aspectos específicos.
A subjetividade é construída ao longo da nossa trajetória e, através dela, construímos nossas narrativas cotidianas. Deste modo, cada pessoa tem suas preferências, identificações, receios e medos. Lembranças, esquecimentos, nos constroem. Dessa forma, receitas prontas e frases feitas acabam não sendo efetivas quando se espera a mudança de alguma coisa.
Voltemos agora ao porquê da bagunça.
Para que possamos organizar um armário ou peça da casa precisamos ir aos poucos, tirando o que não precisa mais estar ali, deslocando objetos de seus lugares antigos, mesmo que só os limpando para que possam voltar para onde estavam. Por vezes, nessa limpeza, também precisamos pensar em diferentes formas de armazenamento de coisas ou até mesmo trazendo outros objetos para este lugar.
A análise da implicação pode ser vista como esse processo de trocas e limpezas. Primeiro, é tirado para fora tudo o que não vemos a fim de compreendermos o que necessitamos mudar de lugar ou nos desfazermos, para só depois aos poucos irmos arrumando novamente.
Tudo isso também pode ocorrer quando trabalhamos em menos pessoas ou até mesmo sozinhas. É preciso estar atenta para as automatizações que surgem na corrida por números e resultados. Cada uma tem uma rotina que muda de acordo com os dias. Esperar que se tenha a mesma energia e engajamento todos os dias pode ser psicologicamente pesado quando entramos em uma lógica organizacional em que não levamos em conta a diferença de vida de cada uma. O mercado está aí, sim, e o engajamento é necessário também, porém estar o tempo todo com a cabeça no trabalho não é saudável. Temos diferentes papéis e ocupamos diferentes lugares nas diversas áreas de nossas vidas. Quando há um desequilíbrio atenuante pode ocorrer o ocultamento de alguma questão a ser desbravada, revista e significada.




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